Além da corrupção de
agentes públicos ligados ao Ministério da Agricultura, a "Operação Carne
Fraca" deflagrada nesta sexta-feira (17) também verificou irregularidades
feitas por empresas para adulterar alimentos. Entre elas, estava a utilização
de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças.
A operação, com foco
na venda ilegal de carnes por frigoríficos, deverá cumprir 38 mandados de
prisão. Cerca de 1.100 agentes da Polícia Federal participam das ações.
A operação visa
desarticular uma organização criminosa liderada por fiscais agropecuários
federais do Ministério da Agricultura e empresários do agronegócio. "Os
agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo, mediante
pagamento de propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos
adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização
efetiva", diz a PF.
Entre as empresas
investigadas estão a JBS (maior processadora de carne bovina do mundo), a BRF
Foods (que surgiu da fusão da Sadia com a Perdigão) e Seara. O UOL ainda não
conseguiu ouvir as empresas nem o Ministério da Agricultura.
Em nota, a JBS negou
irregularidades na produção e venda de carnes. Também em nota, a BRF diz que
está colaborando com as autoridades e que cumpre as normas e regulamentos
referentes à produção e comercialização de seus produtos.
Carne estragada com
vitamina C
Segundo as
investigações, a Peccin Agro Industrial, por exemplo, "maquiava" os
produtos com ácido ascórbico, substância popularmente conhecida como vitamina
C, mas que tem potencial cancerígeno quando consumido em excesso.
A ingestão
recomendada para um adulto é de 45 mg, de acordo com a OMS (Organização Mundial
da Saúde). Ainda segundo a OMS, doses excessivas da vitamina C são consideradas
tóxicas e podem resultar distúrbios gastrointestinais, cálculos renais,
problemas na absorção de ferro, entre outras complicações.
Eduardo Tondo,
professor de microbiologia de alimentos do Instituto de Ciência e Tecnologia de
Alimentos da UFRGS, explica que o ácido ascórbico é usado para manter a cor
rosada da carne em produtos curados, processados, como salame e presunto.
"O problema do
uso de aditivos é que a carne que estava estragada aparenta não estar mais. Aí
a pessoa come, e causa surto de intoxicação", explica.
"Dependendo da
dose, o ácido ascórbico pode ser cancerígeno. Carne processada recebe aditivos
para conservar e manter a segurança, e não há problema se a dosagem for
respeitada. Mas para carne in natura, não pode ter nenhum aditivo. O uso em
carne in natura é fraude", acrescentou.
O delegado da
Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo disse que algumas das empresas
investigadas usavam ácido e outros elementos químicos muito acima do permitido
por lei para maquiar o aspecto físico de alimento vencidos e estragados.
"Alguns são cancerígenos e usados para poder maquiar a característica
física", afirmou.
Além disso, a Peccin
utilizava notas fiscais falsas de produtos com SIF (Serviço de Inspeção
Federal) para a compra de carne estragada. Um laboratório responsável por
analisar as amostras de produtos alimentícios também estaria envolvido na
fraude.
Fraude em merenda
escolar
De acordo com os
investigadores, o frigorífico Souza Ramos estaria envolvido num esquema de
fraude, junto a outras duas empresas, no fornecimento de merenda escolar no
Estado do Paraná.
Os produtos
oferecidos estariam em desacordo com as exigências contratuais, como salsichas
contendo carne de frango quando deveriam ser compostas por carne de peru. O
caso está já estava sendo investigado e resultou na suspensão da entrega da
merenda escolar e na abertura de um processo administrativo.
Carne estragada
Outra empresa que
teria vendido carne estragada é o frigorífico Larissa. De acordo com as
investigações, a companhia também seria responsável por emitir notas fiscais
falsas e transportar produtos fora da temperatura adequada.
Para o delegado
Grillo, as irregularidades "causavam revolta". "Usar cabeça de
porco, animal morto de tempos, carne estragada… Tudo para fazer esse tipo de
produto, principalmente, salsicha, linguiça", disse durante entrevista
coletiva.
Confira a seguir um
diálogo entre o dono do frigorífico, Paulo Rogério Sposito, e um funcionário:
Funcionário:
"(...) Nós temos uma carga de barriga, mas aquela uma lá que tem que
trocar a etiqueta. Cê lembra?"
Paulo: "Ah, mas
e daí? Troca ué".
Funcionário:
"Sim, mas daí eu tenho que trocar ela no final de semana né... que o
rapazinho não tá aqui. porque ela tá vencida".
Paulo:
"Então...mas ela tá onde?"
Funcionário:
"Eu acho que tá lá no armazém lá de baixo"
Funcionário:
"Seu Paulo?"
Paulo:
"Oi".
Funcionário:
"Achamos umas paletas 127, que estão vencidas desde fevereiro. Manda
embora ou deixa na produção pra eles usar?"
Paulo: "Deixa
na produção pra eles usar (...)"
A reportagem tentou,
às 10h45, contato com o frigorífico Larissa, de Mauá (SP), mas foi informada
que só Paulo Rogério Sposito, dono da empresa, poderia falar. No entanto, ele
estava em reunião.
O UOL também ligou
para a Peccin Agro Industrial, mas um funcionário da portaria informou que não
havia ninguém disponível para prestar esclarecimentos.
Juiz diz que prática
é modus operandi
Referindo-se ao
grupo criminoso composto por proprietários e representantes de frigoríficos,
"incluindo grandes da indústria de alimentos, como Seara e BRF", o
juiz federal Marcos Josegrei da Silva, 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba,
afirmou que todos eles "têm como modus operandi a prática de
irregularidades nas empresas nas quais trabalham".
"Algumas que
foram observadas ao longo do tempo de investigação, com certas variações entre
os envolvidos (nem todos cometem todas as irregularidades adiante): reembalagem
de produtos vencidos; excesso de água; inobservância da temperatura adequada
das câmaras frigoríficas; assinaturas de certificados para exportação fora da
sede da empresa e do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento), sem checagem in loco; venda de carne imprópria para o consumo
humano; uso de produtos cancerígenos em doses altas para ocultar as
características que impediriam o consumo pelo consumidor", resumiu.
Fonte: UOL